O Principezinho
Antoine de Saint-Exupèry
Antoine de Saint-Exupèry
Temporada artística
1980
Encenação
Roberto Merino
INTÉRPRETES
Bernardete Andrade
Fátima Pereira
Irene Pimenta
Olides Ferreira
António Ascensão
António Plácido
Carlos Franquinho
Eduardo Luíz
Emanuel Faria
Énio Gomes
Paulo César
Paulo Pita
Raimundo Figueira
Ficha Artística e Técnica
O Principezinho | versão teatral segundo o romance homónimo de Antoine de Saint-Exupéry
Encenação e Versão Teatral | Roberto Merino
Cenários | Afonso Costa
Figurinos | Zita Andrade
Luminotecnia | Elmano Vieira, Manuel Ornelas Vasconcelos e Renato Vieira de Nóbrega
Sonoplastia | Henrique Vieira
Arranjo Gráfico do Programa | Tolentino Nóbrega
Cartaz | Gentileza das publicações Europa-América
Adereços de Cena, Pintura de Cenários e Outros | Vicente de Sousa, Arnaldo Figueira, Gil Fernandes e João Nóbrega
As figuras animadas pelos actores foram executadas por Afonso Costa e Eduardo Alberto Freitas, a partir das aguarelas do autor que ilustram o romance.
Texto do Encenador
Antoine de Saint-Exupéry e O Principezinho
“O avião é, sem dúvida, uma máquina – mas que instrumento de análise! Um instrumento que nos fez descobrir a verdadeira face da Terra. As estradas engaram-nos durante séculos…”
A. de Saint-Exupéry
Em 1935, Saint-Exupéry sofre o seu quarto acidente de aviação: por uma avaria técnica vê-se forçado a aterrar no deserto, a duzentos quilómetros do Cairo. Saint-Exupéry e o seu companheiro de voo, Prévot, são salvos por uma caravana, depois de cinco dias de marcha… Será talvez este o início para a sua obra literária mais conhecida e mais difundida – O Principezinho. Com efeito, em 1940, ele próprio faz menção a este incidente na apresentação do pequeno romance. Durante oito dias, o aviador constrói o seu mundo, apanhado pela avaria técnica e forçado a ali permanecer. Vai criando como um deus, uma parcela do mundo.
No primeiro dia, o milagre: aparece junto dele, vindo de um asteróide pequeno, como uma casa, um pequeno príncipe. À imagem do aviador, o principezinho partiu do seu planeta à procura de conhecimento. Quer conhecer os homens, os seus costumes e muitas outras coisas… quer destruir a solidão que se aninha no seu planeta, apenas interrompida pelo aparecimento de frágeis flores ou torpes e grotescos embondeiros, ou pelo fumegar débil dos seus dois vulcões em erupção.
Junto ao aviador, o principezinho evoca. Lembra as suas viagens através doutros planetas, doutros asteróides onde conheceu uma parcela dos homens… mas será aqui na terra onde descobrirá o mais importante: é preciso possuir as coisas e as pessoas, é preciso cativar e ser cativado. No seu diálogo com a raposa ele perguntará: Que significa cativar?
E ela representará: “… cativar significa criar laços… se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti…”
A flor cativa ao pequeno príncipe, o pequeno príncipe cativa à raposa, o aviador é cativado pelo pequeno príncipe… será este o verdadeiro sentido da vida?…
Os dias passam e no deserto o aviador junto ao seu pequeno tesouro descobre o verdadeiro sentido da amizade e da solidariedade…
Na terra, no deserto, também vive uma serpente, será ela que aliviará o corpo do principezinho, que o despirá da sua casca, que o purificará na sua morte. No seu regresso ao seu planeta, e antes de partir, oferecerá o sorriso de milhões de estrelas… “Só tu terás estrelas que saibam rir!… porque habitarei numa delas, porque me rirei numa delas…”
A morte está presente em toda esta obra pequena no seu tamanho gigante, na sua dimensão. Como nas suas outras obras literárias, Saint-Exupéry aborda a morte a partir da sua perspectiva aérea, aproxima-se dela na vertigem abismal dum sorriso, procura para a ferir, sente-a nas suas aspas apanhando as suas hélices. A morte é uma metamorfose de dimensões infinitas. No tempo de paz, os sinos duma aldeia dobram por os esponsais que num dia brilhante de sol celebra uma mulher com a terra, no tempo de guerra abandonada numa rua. O corpo duma noiva despede-se do seu vestido de luz enquanto o amante recolhe como último tesouro entre as suas mãos o sorriso e o brilho dos seus olhos. O corpo do rei que desce à terra em Cidadela, engrandece-se com a morte, se agiganta, a terra devolve-lhe as suas dimensões roubadas traiçoeiramente, numa noite, pela faca dum regicida, e quando a primeira pazada de terra cai sobre o sarcófago não se está a enterrar um corpo gigantesco, que a morte nunca poderá devorar, é a primeira pedra.
A morte é uma dádiva, quando no fim o principezinho volta para o seu planeta de origem; deverá desprender-se daquilo que não presta, do seu próprio corpo, e a morte parecerá apoderar-se dele. No entanto, continuará a viver, o seu sorriso continuará a brilhar naquela oferenda povoada de reflexos que ele entrega ao aviador. Ao partir, oferece-lhe as estrelas, porque o aviador alimenta-se de estrelas, se nutre de seu fulgor que as acende nas manhãs, do seu silêncio que as apaga no crepúsculo… “o mais importante é invisível”.
…
E o aviador parte, volta para a sua terra, abandona este sonho mau de serpentes e de planetas levando consigo o pensamento depositado numa estrela onde há um principezinho que cuida duma flor, que limpa os seus vulcões, onde há uma ovelha dentro duma caixa, onde há um pôr de sol sempre que se deseja… e um dia, como aquele último no deserto, o seu corpo desaparecerá tragado por um mar de nuvens que lhe estende a sua armadilha branca.