A Ilha dos Escravos
de Marivaux

Temporada artística

1998

Em exibição

14 a 30 novembro 1998
Teatro Municipal Baltazar Dias

Classificação etária

Maiores de 12 anos

Duração

1H20m
(aproximadamente)

Encenação
Élvio Camacho

INTÉRPRETES

Ana Graça
Conceição Pereira
Duarte Rodrigues
Paula Erra
Norberto Ferreira

Ficha Artística e Técnica

Autoria | Marivaux
Encenação | Élvio Camacho*
Cenografia, Figurinos e Adereços | Paulo Sérgio
Caracterização | Sónia Freitas e Paulo Sérgio
Versão de Palco** e Dramaturgia | Élvio Camacho e Naidea Nunes
Desenho de Luz | Eduardo Luíz e Hélder Martins
Desenho de Som | Henrique Vieira
Música Original | Ricardo Gonçalves
Assistência e Direcção de Cena | Zé Abreu
Encarregue de Contra-regra | Paulo Sérgio
Coordenação do Programa e Pesquisa de Textos | Élvio Camacho e Naidea Nunes
Concepção Gráfica: Programa e Material de Divulgação | Turnino Caires
Produtora Executiva | Patrícia Perneta
Chefe de Costura | Maria Joz
Carpintaria, Pintura e Serralharia | S.R. Interiores e Exteriores
Ajudantes | Mestre Virgílio Aguiar, Bruno Caldeira, Marco Faria e José Nuno
Ajudante Aderecista | Patrícia Freitas
Chefe de Iluminação | Hélder Martins

* Gentilmente cedido pelo Teatro Nacional D. Maria II

** Versão de palco A Ilha dos Escravos, de Marivaux, com base na tradução de Luís Miguel Cintra, Colecção de Teatro, Editorial Estampa – Seara Nova (1973) e no texto original L’Ile des Esclaves, apontamentos de Jean Goldzink, colecção GF – Flamarion, livro 524, e MARIVAUX Théâtre complet Tome I, Edição de F. Deloffre et F. Rubellin revista e actualizada (1996), Classiques Garnier.

Texto do Encenador

A Ilha dos Escravos: utopia social no exílio…, o poder num/ do nome, o acidente (do acaso) na fuga.

TRIVELINA: Como te chamas?
ARLEQUIM: É o meu nome que queres saber?
TRIVELINA:Sim.
ARLEQUIM: Não tenho nenhum.

Marivaux, in A Ilha dos Escravos

Arlequim é no início da aventura utópica, onde não falta a clássica tempestade, um naufrágio e uma ilha, um homem sem nome. Esta “ilha laboratório” é o local apropriado para se experimentar tocar a ferida: a diferença de condição social acompanha a humanidade, mas a indiferença perante o que a sustenta constitui o pior mal; rouba o nome a qualquer um. A troca de nomes – de identidade – não é aqui um mero processo tão caro à intriga da comédia clássica, ultrapassando, igualmente, o facto de, por convenção, ser assim nesta Ilha, tornando-se a troca a própria intriga da peça. O experimentar o nome do outro, com o que se pensa, por inerência, lhe pertencer, constitui uma maneira de se redescobrir a autenticidade – património genético – do nosso próprio nome (mas experimentamos o nome dos outros ou que é ele que nos experimenta?).
O espectador, agarrando-se voluntariamente às tábuas do naufrágio, experimentará os ideais do século das luzes e a ousadia das ideias de Marivaux no mesmo. Diderot na “Enciclopédia” ousa definir o homem omitindo a Bíblia e esquecendo Deus, a discussão entre a natureza e conhecimento é agora mais acentuada que nunca, os caprichos ou acasos da natureza são tidos em conta nas grandes discussões – pense-se no terramoto de Lisboa de 1755 -, as realidades sociais do séc. são inquiridas, a discussão entre cartesianos e newtonianos agudiza-se… A questão da linguagem assume assim, em Marivaux, um papel fundamental, pois se se conseguia chegar à verdade como exprimi-la? Marivaux colocou a acção da peça na época helénica misturando-a com costumes do século XVIII e com elementos da tradição do Teatro Italiano (a peça foi escrita para os Actores Italianos com os quais colaborava frequentemente), transmitindo-nos uma simbiose anacrónica, quase fantástica, que contagiou a nossa vontade de transportar a acção para o início dos anos 60. Não o fizemos para os anos 90 pois o espírito revolucionário dos mesmos encontra-se estranhamente calçado, talvez pelo enigmático consenso que parece tornar inúteis as discussões, ao passo que nos anos 60 foi, de facto, exteriorizado. Se teoricamente existe uma diferença substancial entre a primeira metade do século XVIII e a segunda, na prática o fervilhar de ideias é um único movimento que encontra eco, senão nos ideais, no plano da ebulição de ideias do séc. XX para se ser mais preciso nos anos 60. É certo que a utopia antes da Revolução Francesa de 1789 era essencialmente descritiva, mas o teatro de Marivaux pressentiu-a extraordinariamente como, cite-se o prefácio da tradução portuguesa de Luís Miguel Cintra de A Ilha dos Escravos referindo Talleyrand, “uma dança em cima de um vulcão” e não deverá o teatro, como nos lembra o mestre Joséf Szaina, “quebrar a distância entre o que se pressente e o que se sente?” Somo aliás produto desta Revolução Francesa, com a adição e subtracção de outros fenómenos da História, herdámos o discurso da mesma, apesar do discurso americano ser, nos dias de hoje, bastante impositivo. Na verdade, este dramaturgo antecipou ideias sociais, políticas se quisermos, que só conheceram paralelo, muito mais tarde, na dramaturgia de Ibsen, note-se a “reivindicação feminista” em La Colonie, à evidência, sublimada, no nosso espectáculo, pela intervenção dramatúrgica que faz de Trivelino uma personagem feminina [Regina de Castro e Abreu, uma minha ex-professora pela qual nutro uma grande admiração e amizade, disse-me um dia, numa das nossas entusiásticas conversas: “(…) o homem [é que ainda] não se emancipou!”, esta frase, sem esquecer o contexto, foi capital no encorajamento para lançar-se mãos sobre o reforço da própria utopia de Marivaux, já que de Trivelino, um legítimo representante com mandato para fazer observar as leis naquela ilha da república, fez-se significar, sem operações metafóricas ou metonímias, sob nenhum aspecto machista, Trivelina, signo que vale pela sua própria acepção orgânica – mulher: chave do tempo.]
É pois, bastante redutor circunscrever Marivaux ao âmbito da maurivaudage ou marivosismo, como denominam os teatrólogos brasileiros, termo que foi criado, ao princípio, com um sentido pejorativo, para transmitir as peculiaridades (do “feitio”) da sua linguagem dramatúrgica, mas que encerra em si uma infinita quantidade e qualidade de signos que se podem encontrar no seu teatro; o jogo do conhecido e desconhecido – há um discurso subtil paralelo a todas as falas -, do disfarçado e (da “surpresa”) do revelado… és esta a respiração do seu teatro.
É já extenso este nosso discurso, deixamos a infinita possibilidade de ilações, motivada pelo extenso manancial – sem precedentes – de temas do Iluminismo, ao espectador desta emissão utópica, de uma ilha – rádio; “máquina”: imagem modelo presente no pensamento de todo o século XVIII -, “salão” que se podia chamar, como o livro de Fernando Savater, Jardim das dúvida. A matriz metonímica, componente fundamental da construção do espectáculo teatral, juntamente com metáfora e outras significações tentará motivar o espectador náufrago nesta viagem reformadora. O olhar de inquietação – consciência subliminar – de Marivaux sobre o mundo que o rodeava, na aparente diversão dos seus textos, não demitirá o espectador de um papel activo na continuidade de discurso (mesmo interior) após o espectáculo. É o que se espera.
Neste tempo, a natureza (lei da natureza) é uma corda, o Homem (razão do Homem) salta à corda; não tem braços que a segure, e a brincadeira deve, talvez, depender dos amantes que não se tocam, não cedem, que “roubando ao tempo a sensação de ser e não voltar mais” [Adelphus Christo], assim se amam… Lá estamos nós na poesia quando desta já nos julgávamos imunes (afinal, há alguma obrigatoriedade académica nesta dissertação!), mas só nos protegemos dela com o beijo do poeta, a qual saliva teima em alimentar as sementes da corrupção em verso que estão em nós desde “la petit mort”: Adão e Eva a perderem o seu estado de natureza e a passarem a um estado de corrupção – de conhecimento – pela maça e não só. Quanto às sementes de corrupção em prosa, teimam em ser o corpo que não é de ferro… Está tudo dito: se culturalmente, podemos fugir da natureza, essa fuga resulta num acidente.

Sinopse

Os escravos colonizaram uma ilha onde desembarcam náufragos aristocratas e os seus criados. A inversão das posições sociais faz com que cada um se reveja no seu comportamento e redescubra alguma essência perdida. O jogo dos papéis invertidos é aqui a própria intriga que possui a simplicidade de uma fábula. Os amores temperam a acção corrigindo o que possa ameaçar a procura da felicidade. O final deste ensaio tem, logicamente, uma moral: “a diferença de condição é só uma prova [experiência] feita pelos deuses aos mortais”, mas a secreta ambiguidade de Marivaux permitir-nos-á aceitá-la?

AGRADECIMENTOS

Carlos Avilez – Director do Teatro Nacional D. Maria II
Conceição Fernandes – Biblioteca T.N.D.M.II

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