“Pensei: estou morto. O meu espírito vai debruçar-se sobre mim, vai soltar-se do meu pobre corpo como uma borboleta se liberta do casulo, experimenta as asas húmidas – e voa.”
AGUALUSA, José Eduardo, “O primeiro dia do resto da minha morte”, crónica FRONTEIRAS PERDIDAS, Público 14fev1999, p.8
Da conturbação atual do Mundo, inquieta-nos falar de um tema tão profundo como a Morte. Mesmo trazendo-a para o inventivo e vasto universo artístico, enquanto representação, é-nos difícil falar sobre este facto, real e inevitável. MORRER, um destino sem data marcada – absurdo (?). A morte é uma flor que só abre uma vez (…), escreveu o poeta Paul Celan. A singular condição perecível, é efetivamente uma FUNDAmental VER(dade), mesmo que a tentemos “ignorar”. Não é novo refletir sobre a MORTE, diferentes culturas açambarcam a morte enquanto culto. Um paradigma, que viaja entre a tristeza e a libertação, a perda e a dor, rituais celebrativos, festividade, crenças e religiosidade, aflorando essencialmente o questionamento da nossa EXISTÊNCIA. Talvez seja a Arte, uma resposta de perpetuação face à morte. Uma VOZ, colmatando a ausência que se instala ao morrermos. Motivado pelo texto dramático de Luís Francisco Rebello – Alguém Terá de Morrer (1954), surge o projeto expositivo, o qual intitulei: “silêncio”. A referida peça, foi levada à cena pela Associação Teatro Experimental do Funchal (Atef), tendo sido interrompida em março de 2020, em consequência da pandemia mundial COVID-19. Ainda antes do deflagrar da pandemia, o encontro com o livro de David Le Breton: Do Silêncio, originou o título da exposição. O “silêncio” no lugar da Morte, foi o mote sugerido aos 12 artistas que compõem o corpo deste projeto.
Aquando da morte de Vasco Pulido Valente, o jornal Público (21fev2020) apresentou 4 colunas em branco, no espaço da crónica habitual deste historiador. A sugestão do espaço «vazio» que a morte encerra, é perentório. O corpo morto, instala o (espaço) vazio (?) – AUSÊNCIA. Para o teatro, Peter Brook, convoca o silêncio como charneira do seu livro: O Espaço Vazio. Existimos num determinado espaço de tempo e depois, “silenciamos”. O escritor Gonçalo M. Tavares afirma: Mas o corpo, de facto, não ocupa muito espaço quando morto – e quando vivo tem a ilusão de que pode correr e até saltar e até ficar por ali nesse estado mais ou menos inquieto, mas não. Tudo acontece no exacto comprimento e largura de um corpo./ No fundo, insistir: tudo o que é importante acontece em pouco espaço. O corpo abre os braços e depois fecha-os. Abre e fecha olhos. As pernas podem andar, muito ou pouco, mas depois param./ Nunca se morre em grandes espaços, por exemplo. A morte é uma coisa minúscula.1 A morte é uma flor que só abre uma vez/ Mas quando abre, nada se abre com ela (…) – Paul Celan. Contrariar a nossa condição de seres perecíveis é abraçar a vida – viVER intensamente. Talvez RIR, seja o antídoto. Umberto Eco, numa entrevista ao semanário Expresso2, afirmou: Rir tem a ver, de alguma forma, com o facto de sabermos que vamos morrer. Acrescente-se-lhe a observação do crítico de cinema, João Lopes, em “O teatro da morte”3: Quando rimos da simbologia da morte, o pior que nos pode acontecer é ouvirmos o eco das nossas gargalhadas. Cito ainda a reflexão, de José Tolentino Mendonça4: É TÃO ESTRANHO que entre a avalancha de saberes úteis e inúteis que acumulamos uma vida inteira não esteja este: aprender a morrer. A contemporaneidade fez da morte o seu tabu, o mais temido e ocultado, e deixa-nos completamente impreparados para enfrentar a naturalidade com que a vida a abraça. Para este projeto convocam-se 12 “silêncios”, acomodados pelo fazer da Arte. Criação, inventividade, é aquilo que torna o Caminho mais leve… um voo de borboleta (falena) no contraponto do peso das coisas, e do ruído miúdo que a Morte desvela.
Paulo Sérgio BEJu
1 – “Alice Munro, música e dimensões da morte”, NOTÍCIAS MAGAZINE, 20out2013, p. 90
2 – Entrevista de Luciana Leiderfarb – “As mentiras são mais fascinantes do que a verdade”, Expresso, 18abr2015, p. 33
3 – Crónica “Entre as Imagens”, DN, 14jul2006
4 – Crónica que coisa são as nuvens – “APRENDER A MORRER”, Expresso, 02nov2013, p.8