O erro em permanência
O centro do olho e o canto do olho// Observar pelo canto do olho é, em ciência, começar a elaborar a hipótese./ O que é observado pelo centro do olho é o evidente, o óbvio, aquilo que é partilhado pela multidão./ Na Ciência, como no mundo das invenções, observar pelo canto do olho é ver o pormenor diferente, aquele que é o começo de qualquer coisa de significativo./ Observar a realidade pelo canto do olho, isto é: pensar ligeiramente ao lado. A isto chama-se criatividade. Daqui saíram todas as teorias científicas importantes. TAVARES, Gonçalo M., BREVES NOTAS sobre ciência, Lisboa, Relógio D`Água Editores, p.75
AGUALUSA, José Eduardo, “O primeiro dia do resto da minha morte”, crónica FRONTEIRAS PERDIDAS, Público 14fev1999, p.8
Somos parte dos livros que lemos ou somos os livros que não chegamos a LER. Na ideia de acesso ao Livro, a aquisição do saber. Dum leitor atento, espera-se, o olhar mais demorado sobre as coisas. A linha do horizonte a ser ultraPASSADA. A ilha, lugar de permanência ou de uma ideia encimada? Afloramos o verbo ilhar… sinónimo de isolamento. Após a Exposição “o vENTRE dOS SONHOS” (novembro de 2020), ainda o lema: “ISTO (a obra), sou EU”… o indivíduo e o artista. Do coletivo partimos para o particular. A criação de uma personagem peculiar – o senhor ilhário. Uma possível abordagem do universo do teatro (Dia Mundial do Teatro).
O senhor ilhário, é ilhéu. ESTAR na ilha e pertencer… SER ilha (o preço de ser ilha?). Insisto na conjugação do verbo ilhar. António Damásio afirma, nas suas conceções mais recentes que, no Princípio não era o Verbo, mas sim o SENTIR. O espaço expositivo proposto, é um lugar de sensações, provocações… “O sex appeal do inorgânico” (Mário Perniola, 2004). O projeto senhor ilhário – parte I, incita à fala; magica-se em factos para uma possível narrativa identitária.
Sem querer constituir qualquer tipo de orientação, ou suporte estrutural teórico, apraz-me referir, a obra literária de Gonçalo M. Tavares (n. 1970), é um arquipélago de arquipélagos, por vezes designados séries, colecções, sequências de livros, etc. O maior tem actualmente dez ilhas e chama-se O Bairro. (ípsilon/Público, 05mar2021) E daí a ideia de “senhor” ou “senhores” d`O Bairro, as personagens de Gonçalo M. Tavares. Em `Atlas do Corpo e da Imaginação`, Tavares afirma que “o pensamento imaginativo é aquele que avança, não como marcha mas como na dança: com saltos, piruetas e outros movimentos imprevisíveis”.
Cada detalhe, cada objeto, são meros elementos para uma construção cénica. O mundo de uma personagem errática – ilhário (ou Hilário?). O certo e/ou, o ERRADO. Não falemos da personagem em si, falemos das coisas armazenadas nas gavetas, dos objetos pousados ou preservados. Apesar de tudo, também existiam livros (seguramente, nunca lidos). Quem é o (senhor) ilhário? Um produto do sistema, um lugar comum, uma metáfora contundente. Um piscar de olhos, o observar a realidade pelo canto do olho. Ao fruidor, só apelamos que, amplie o perímetro do seu olhar. Que seja discreto, não adie o SENTIR, saiba que a esteticização dos gestos, é uma arma que tende a morrer (?). Se o senhor ilhário fosse vivo, hoje, nesta sala, certamente pavonear-SE-IA.
Paulo Sérgio BEJu