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“(…) todas as obras de arte verdadeiramente genuínas e inquestionáveis apresentavam aquela dupla face sorridente e perigosa, aquela dualidade integrada do masculino e do feminino, aquela simultaneidade dos aspetos instintivos e puramente espirituais.”

HESSE, Herman (1957), Narciso e Goldmund, Alfragide, Publicações Dom Quixote, abr2016, p. 193

Da leitura do romance Narciso e Goldmund, de Herman Hesse (Alemanha, 1877 – 1962, Suiça), surgiu o mote para o projeto “iluminações” – entre o confronto e o conforto. Tendo como participantes os alunos da Universidade da Madeira – UMa, do Curso de Artes Visuais, organizamos um projeto inspirado na personagem de Goldmund, jovem em busca do conhecimento interior, do confronto com a vida, mas também do confronto/conforto encontrado na criação artística, como resposta a um Caminho particular.

As premissas geradas pelos conceitos de Confronto e Conforto, preponderantes num fazer artístico contemporâneo, partem de uma afirmação do atual diretor do Museu de Serralves, Philippe Vergne (Expresso, 01nov2019) que nos coloca o seguinte olhar: “O que não é familiar é frágil. Quando falamos de um quadro, de um filme ou de uma pessoa, se não nos é familiar, mete-nos medo. Esse medo, do não familiar, gera em nós reflexos conservadores, protecionistas.” A arte invoca-nos o paradigma da interrogação – o confronto, mas também um possível espaço de conforto, se a entendermos como lugar necessário à Existência, ao exercício da Vontade, à necessária Expressão Individual.

Se a denominação iluminações nos lança, por si mesma, na perspetiva de uma determinada Ideia, inerente à criação, algumas das passagens do romance de Herman Hesse, conduzem-nos à criação enquanto mistério. Mistério esse que se torna inerente e preponderante na gestação e configuração do objeto artístico. Com os autores/alunos, e enquanto «futuros» artistas, fomos estabelecendo um diálogo, gerador de uma reflexão mútua, sobre o «dizer» individual, o germinar da ideia, até ao momento da sua materialização artística. A construção dos artefactos, tomou corpo através da assimilação de uma consciência concetual, culminando na partilha, visível agora no espaço expositivo da galeria.a.

Apesar do romance Narciso e Goldmund se contextualizar num período medieval, é em Herman Hesse que vamos encontrar um outro sentido para os horizontes medievos, na sua visão, feitos de luz e não de trevas. O autor propõe-nos um caminho, em função de uma descoberta espiritual, questão recorrente na sua escrita. Herman Hesse, escritor laureado com o Prémio Nobel da Literatura em 1946, foi pouco lido até à primeira metade da década de 60, tornando-se os seus livros best-sellers nos Estados Unidos, a partir dessa altura, com incidência em temas do movimento contracultura, cujo mote principal é a busca da iluminação.

Uma outra leitura complementar para o projeto “iluminações – foi o livro “DO ESPIRITUAL NA ARTE” (1912), do artista Vassily Kandinsky. E é este autor quem declara, no início do seu livro: «Invisível, um novo Moisés desce da montanha e olha a dança em volta do bezerro de ouro. E apesar de tudo, ele concede aos homens a fórmula de uma nova sabedoria». O fulcro do projeto “iluminações” ramifica-se numa dança invisível, claridade imbuída de um poder com arte, uma construção coreográfica do espaço performativo, movimento gráfico e fruto de gestos corpóreos – emotividade. Das propostas surgidas, privilegiamos a Pessoa de cada um dos

envolvidos, com as suas especificidades, o cruzamento de ideias, técnicas e olhares, a busca de uma respiração muito própria, face ao objeto artístico. É um projeto feito de amor, carne/corpo – artista/obra, o encontro de uma matriz. Herman Hesse afirmaria: “(…) a arte era uma síntese dos dois mundos, o paterno e o materno, o do espírito e o do sangue; podia partir da evidência sensorial para se diferenciar nas esferas mais abstratas, assim como podia ter a sua génese no mundo puro das ideias para terminar na mais sangrenta carnalidade.” (2016:193). Não terei dúvidas sobre o ato transformador da arte, a implicação cardíaca do artista e o ato de amor e da envolvência da sua carne… a pulsão, a dor, o trágico existencial em consonância com um existir imanente do princípio criativo como fuga irremediável, o confronto/conforto do poder curativo da arte.

Paulo Sérgio BEJu

  • Alunos da Universidade da Madeira – UMa, Curso e Artes Visuais

    FRETA NGO (Alemanha, 1999) – Auto – iluminação (Freta Ngo iluminando Freddrik Robens)

    LÍCIA FERRAZ (Funchal, 1999) – Memória

    CLÁUDIA SOUSA (Funchal, 1998) – Eco

    BEATRIZ HENRIQUES (Funchal, 2000) – Lugares com raíz

    JOÃO TIAGO (Funchal, 2000) – Assinatura

    JED BLACK (Venezuela, 2001) – Romance

    MARIA JO (Marid, 1975) – La Huella

    MAGOVI (Venezuela, 1997) – O Teatro das luzes

    LUÍS SILVA

  • Curadoria – Paulo Sérgio BEJu

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