A beleza é a justa proporção, mas não precisa de ser sempre exata. Porque no seio da proporção tem de haver um elemento de estranheza. Os artistas sabem isso bem e estão sempre a introduzi-lo. E dessa forma estão a representar o mundo, que é feito de simetrias e quebras de simetria. O mundo não é todo ele proporção, é proporção e quebra dela.
Carlos Fiolhais em entrevista de LEIDERFARB, Luciana, “Se perguntar o que é o amor, a ciência não saberá responder”, Lisboa, E – Revista do Expresso, Edição 2416, 09.02.2019, p. 58
A ARTE DE CAMINHAR
Conforme o título de KAGGE, Erling, A Arte de Caminhar – Um Passo de Cada Vez, Lisboa, Quetzal Editores, 2018
Tendo como ponto de partida o título do romance “A Carne”, da escritora espanhola Rosa Montero, a galeria.a propõe o seu quinto projeto de exposição, designado – a cARne. O Corpo, temática a mediar o segundo ano de programação deste espaço expositivo, integra-se numa temática mais abrangente – as Artes do Corpo, aglutinando uma série de manifestações inerentes à nossa fisicalidade e à sua performance.
A escritora Ana Marques Gastão, no seu livro “As Palavras Fracturadas” (2013:12), afirma: Somos o nosso corpo, porém, sem ele nada se faz, pratica ou inscreve – as marcas do mundo, o desejo, o amor, o lamento, a perda, a ascese, a (in)gloriosa morte na fronteira entre o que somos e o que outro pode ser.
Na génese da galeria.a, substancia-se o projeto da Associação Teatro Experimental do Funchal – ATEF Companhia de Teatro e, assim sendo, não queremos descurar o papel do ator no uso do seu principal instrumento – o corpo – como meio de comunicação, numa efetiva atuAÇÃO dramática. A carne do ator sobre um palco, geradora de EXPRESSÃO. Hans-Thies Lehamn, num ensaio sobre os caminhos do teatro contemporâneo – TEATRO PÓS-DRAMÁTICO, escreve: O teatro não é apenas o sítio dos corpos pesados, é também o lugar onde se produz uma original interseção da vida real esteticamente organizada, com a vida real do dia-a-dia. Este autor, dedica trinta páginas do seu ensaio à temática do “Corpo” e, perifraseando Roland Barthes, cita: Cada corpo é um e mais do que um: corpo de trabalho, corpo de prazer, corpo de desporto, corpo público e privado, corpo da carne e corpo de ossos (2017: 301).
Soledad, personagem principal do romance “A Carne”, familiariza-nos com a organização de uma exposição, sobre Escritores Malditos. Cruza a sua história de amor com abordagens de diferentes escritores no contexto da história da literatura – sobre o AMOR. Debate-se com interrogações sobre o AMOR e sobre o CORPO a envelhecer, as emoções, o OLHAR, a solidão e a cARne. A carne uma realidade, inevitavelmente, próxima de todos nós. O CORPO… um território feito de emoções para o qual nos convoca também a Arte.
O projeto a cARne, propõe-se aglutinar diferentes linguagens artísticas em manifestações diversas, dando expressão a um espaço expositivo, que se apresenta como um corpo único. Um corpo apaziguado pelo toque e «silenciado» pelo olhar. Os pormenores corpóreos, expressão da particularidade de cada artista, são conjugados no todo corpóreo da exposição. A pele da galeria desnuda-se, atingindo, na sua assimetria formal, uma proporção interrogativa.
Citando Jorge Sousa Braga (poesia reunida, 2007), afirmo que, o artista em certa medida é “O POETA NU”. E daí, a proposta de um pedaço de corpo – cujo fazer está nas mãos do seu autor, revelando-se ao mundo pela conceção e representação desse corpo. Cito o poeta Jorge de Sousa Braga: AS MÃOS// As mãos existem para além do corpo que as sustém. Enfurecem-se. Apaziguam-se. Remetem-se ao silêncio. Às vezes têm uma consistência de ferro. Outras de porcelana. Frágeis. Tão frágeis como estas, que por pouco não se quebraram com o último retoque do pincel. E de regresso ao romance que incitou este projeto a cARne, lê-se no seu início: A vida é um pequeno espaço de luz entre nostalgias. A nostalgia do que ainda não vivemos e a do que já não poderemos viver. E o momento exato da ação é tão confuso, tão escorregadio e tão efémero, que o desperdiçamos olhando em volta, aturdidos. (2016:7) Tracemos assim, o lugar do corpo como manifesto vivo, pormenor, mesmo que ínfimo, representativo do artista – um pedaço de SI – OBRA/CORPO, um olhar, um Caminho, uma IDENTIDADE, aqui e agora.
Paulo Sérgio BEJu, 27mar2019
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Ordem de artistas conforme trabalhos dispostos no espaço de exposição galeria.a
PATRICIA SUMARES (Jardim do Mar, 1969) soprAR, 2019 Técnica mista SÃO GONÇALVES (Luanda/Angola, 1959) Moça (M) bique, 2019 Técnica mista LUISA SPÍNOLA (Funchal, 1962) “tatuagem”, 2019 Técnica mista e objeto CRISTINA PERNETA (Funchal) Orquestra da Vida, 2019 Aguarela s/ papel (terra natural) HERNANDO URRUTIA (O mundo, 1964) “olhAR-TE DENTRO DO CORPO”, 2019 Arte digital CATARINA DANTAS (Câmara de Lobos, 1991) DOR, 2019 Técnica mista (latex e pintura a óleo) SÓNIA ANDRADE (São Pedro, 1980) Carne para Canhão, 2019 Fotografia e aguarela s/ papel Canson RUTE PEREIRA (Funchal, 1977) S/ Título, 2019 Técnica mista s/ tela GEORGINA LAURA (Funchal, 1999) (sem título), 2019 Fotografia PAULO LADEIRA (Calheta, 1976) Carnes, 2019 Fotografia RITA RODRIGUES (Funchal, 1960) Desemprenhada (no silêncio do corpo) – A não-mãe, 2019 Fotografia impressa s/ papel conqueror 300gr BEA BEJu (Funchal, 1996) A casa dos sentidos, 2019 Impressão s/ papel aguarela 300gr EDUARDO DE FREITAS (Funchal 1955) S/ Título, 2019 Lápis de cor e canetas de feltro s/ papel JOANA VIVEIROS (Funchal, 1996) “Salmoura”, 2019 Processo de evaporação de sal marinho s/ vidro (slamping) MARTIM VELOSA (Madeira, 1973) “Construir uma vida”, 2019 Técnica mista GIL NUNO (Funchal, 1962) TU, NA PONTA DA LÍNGUA, 2019 Grafite e tinta acrílica sobre papel Canson FILIPE GOMES (Santa Luzia, 1974) 848 Grafite s/ papel JOÃO BAPTISTA (Funchal, 1994) Coração, 2019 Marcador preto s/ papel ELISABETE HENRIQUES (França, 1972) “Porto de Abrigo”, 2019 Marcador e caneta preta FABIAN CONTRERAS (Venezuela, 1989) “Divindades”, 2019 Fotografia LARA JUMÁ (Moçambique, 1980) “MÃOS DE MÃE, 2019 Fotografia DAVID FRANCISCO Arrepio Fotografia MAFALDA GONÇALVES (Funchal, 1963) caminhar suspenso, 2019 Recorte de papel de aguarela TERESA JARDIM (Funchal, 1960) “SONO SOLTO DE MÃE”, 2019 Poema expandido em tela impressa CE CI JÊ (Funchal, 1953) IMPRESSÃO DE UM CORPO, 2019 Assemblage RÚBEN FREITAS (Funchal, 1982) you got to love pain, 2019 Óleo s/ tela GRAÇA BERIMBAU (Funchal, 1966) pulsar, 2019 Técnica mista s/ tela LÚCIA FRANCISCO (Funchal, 1970) Célula, 2019 Cerâmica vidrada, fio de cobre – s/ cortiça HELENA BERENGUER (Machico, 1972) Todas as palavras são corpo, 2019 Pintura / Colagem (Técnica mista) DIOGO GOES (Funchal, 1989) “Osculum / Totem Fricassé sem ponta de Ponta de Frango”, 2019 Fotografia e Colagem FAz (Câmara de Lobos, 1966) “ex-pARTE”, 2019 Assemblage ACOSTA (Elvas, 1974) Transmutação AC, 2019 Desenho a grafite s/papel, cartão e acrílico DINA PIMENTA O teu corpo foi semeado no meu, 2019 Acrílico s/ tela JOSE ZYBERCHEMA (Madrid, 1958) Sua vida em sua mão, 2019 Fotografia e sistema de luz de LED ANTÓNIO RODRIGUES (Funchal) Renascimento de Afrodite Pandemos, 2019 Baixo-relevo / negativo. Gesso policromado VANDA NATAL (Funchal, 1976)Membros, 2019 Técnica mista MIGUEL TEIXEIRA (Funchal, 1992) MORDO-TE ATÉ VERES ESTRELAS, 2019 Pasta de modelar ALZIRA MALTEZ (Calheta, 1965) “A visão do mundo”, 2019 Técnica mista ANDORINHA (Camacha, 1989) I`m not your flesh, 2019 Aguarela s/ papel GONÇALO FERREIRA DE GOUVEIA (Funchal, 1968) Pedaço íntimo e ínfimo d’aprés Von Menzel, 2019 Caixa (ready-made), tinta de spray, madeira de balsa e mármore IVONE FIQUELI (Funchal, 1976) MEU/TEU CORPO, 2019 Técnica Mista (Colagem de materiais s/ cartolina) SILVIA MARTA (Funchal, 1974) “ENTRE O ESPÍRITO E A MATÉRIA FICA O CORAÇÃO”, 2019 Técnica mista (pintura e aplicações s/ tela) ALICE SOUSA (São Martinho, 1937) A carnívora, 2019 Marcadores de álcool s/ tela PATRICIA PINTO (Funchal, 1976) “Pré… li… min Ar”, 2019 Técnica mista – caneta Rotring e ilustração DIVA CASTRO (Funchal 1999) S/ Título, 2019 Técnica mista ANDRÉ CORREIA (Funchal, 1968) Sacrifício, 2019 Desenho digital impresso s/ papel ISABEL NATAL s/ título, 2019 Técnica mista s/ papel
G. DA LUZ (Ponta do Sol, 1959 – 2019, Funchal) O GRITO DE NOITIBÓ, 2009 Desenho e acrílico s/ tela (Do Projeto “VIAGEM AO CORAÇÃO DOS PÁSSAROS” – CCCL) Col. Particular
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Curadoria – Paulo Sérgio BEJu